L'auberge brésilienne


Você já pensou quanto sua vida é influenciada pelas pessoas que chegam, vão e passam por sua casa? Não só por aquelas que sempre moram com você, mas por essas que só ficaram por uma semana, por um final de semana, por um dia ou até por umas poucas horas?

É obvio que as pessoas influenciam-se umas às outras, que a vida é feita de interações e relações, e que isso é muito forte no convívio diário dentro de uma casa, onde as pessoas compartilham bastante tempo da vida. Mas já pensou quanto isso pode mudar sua vida, ou fazer que você seja o que você é?

Faz uns poucos dias assisti um filme espanhol-francês de 2002 chamando “L'auberge espagnole” do diretor Cédric Klapisch, que me deixou pensando muito nesse tema. O roteiro é bem divertido, é a história de Xavier, um guri francês estudante de economia, que viaja a Barcelona por um programa de intercâmbio, e termina morando durante um ano, num apartamento compartilhado com um alemão, um italiano, uma inglesa, uma espanhola, uma belga e um dinamarques. O filme conta a louca história dos encontros e desencontros destes 7 malucos de países, línguas e sexualidades diferentes e de como essa convivência muda a vida do Xavier.

Mas não quero falar aqui do albergue espanhol, embora seja um filme bem bacana. Vou falar do albergue brasileiro onde eu moro e que também tem suas próprias loucas histórias de uma colombiana e uma brasileira malucas que convivem faz quase 8 meses e que recebem hospedes de países, línguas, sexualidades e costumes diferentes. 
 
Então voilà, como vocês já sabem eu moro na Ilha da Magia, em Floripa, um dos cinco lugares turísticos mais visitados da América do Sul. Uma linda cidade localizada numa ilha no oceano Atlântico, com uma população de 400.000 pessoas, 360 graus de praias e com mais de 40% de seu território com preservação natural. Uma cidade brasileira cheia de gatos e gatas descendentes direitos de imigrantes da Europa com olhos verdes e azuis, e peles bronzeadas. Uma cidade cheia de surfistas andando por todas partes com suas pranchas, suas bermudas e seus músculos...Oh! Que linda que é floripa né?... 
 
Bom o ponto é que muitas pessoas querem vier para floripa, e claro não querem pagar hotel porque é caro demais (Floripa é uma das cidades mais caras do Brasil), então por esse fato, muitos amigos, amigos de amigos e até amigos de amigos de amigos chegam em casa para passar um final de semana, uns dias e até algumas semanas. Nosso albergue é bem pequeno, só temos dois quartos, uma cama de casal e uma de solteiro, um banheiro, e uma cozinha ampla que também serve de sala e living. Então os nossos hospedes moram onde podem, no chão, numa cama, na outra ou onde possam e escolham. Não temos muitas regras, é possível entrar e sair à qualquer hora, usar quase todas as cosas que estejam disponíveis na casa, trazer mais amigos e amigas, fazer festa... Mas damos preferência aos hospedes que gostam de dançar (e que sabem dançar ritmos diversos), que sabem e gostam de cozinhar, que tomam chimarrão, que trazem nova música para a casa e que não roncam. Porem, aqueles que ajudam enfaticamente com a faxina da casa, são bem vindos para ficar o tempo que queiram.

Temos todo tipo de hóspedes. Os que só ficam um tempinho, umas horas, uma tarde ou o dia, com esses compartilhamos um almoço, um lanche, um chimarrão, um chá, um vinho, um café ou umas palavras e sorrisos. Os que ficam de uma em uma noite e que normalmente também moram em floripa, com eles compartilhamos uma janta, um café da manhã, uma noite de festa ou de filmes. Os que vêm por um final de semana ou por dois ou três dias e que mexem tudo, a casa, nossas rutinas, a vida dos vizinhos, floripa toda, e vão embora levando com eles todo o folego das anfitriãs. Também temos hospedes que ficam por uma semana e que curtem as praias, a festa, os gatinhos e gatinhas da ilha, mas que também juntam sua vida de turistas com nossas rutinas quotidianas, e que quando partem deixam uma sensação de que quase eram da casa. Mas também têm hospedes que ficam por mais de uma semana e que sem muita pressa vão curtindo os pequenos detalhes da ilha, do português, das nossas vidas, dos nossos gostos e quando vão embora deixam-nos quase desamparadas.

Temos hóspedes de múltiplas nacionalidades, já passaram por aqui pessoas da Holanda, da Alemanha, do Chile, da Colômbia, do Brasil, do Canadá, da Argentina e da Inglaterra. E já nós ensinaram palavras, expressões e até palavrões de diferentes línguas, danças de diferentes lugares e comidas com diversos gostos.

O valor da moradia é bem variado: garrafas de pisco ou qualquer outra bebida, alfajores e erva mate, chocolates etc. Temos uma grande debilidade por os doces e por os licores, assim que somos fáceis de comprar, não precisa muito dinheiro nem muitas coisas, só boa energia para compartilhar, boa atitude para conviver e alguma coisa doce para deixar em casa e você vai ser mais do que bem vindo no nosso lar.

Como somos boas anfitriãs gostamos de acompanhar a nossos hóspedes em seus planos turísticos: curtir as praias, tomar banho de mar, sambar as terças em Varandas e os domingos em Sambaqui, dançar forro as terças em DeRaiz e os sábados no La Pedrera, comer uma boa sequência de camarão na Barra da Lagoa e fazer trilhas no sul da ilha. Também batemos papo sobre quase qualquer tema, dançamos na rua, tomamos café da manha pegando o solzinho na frente da casa, amanhecemos na beira do mar tocando o violão com nossos hóspedes. E se por acaso algum ou alguma arranja namorado ou namorada, também fazemos traduções simultâneas, se for necessário.

Agora bem, o mais difícil do nosso albergue não é conviver com todas essas diferenças, nem alterar nossas rutinas para nos acomodar à vida maluca dos nossos hóspedes que andam de turistas na ilha da magia, também não é ter que assistir a aula de manhã enquanto nossos hóspedes dormem depois de uma festa até a madrugada, nem conviver com sua desorganização nem seus ronquidos. O pior sem dúvida é se acostumar a viver numa ilha bela onde as pessoas passam, transitam, vão, ficam por pouco tempo e vão embora, voltam a suas cidades, seus países, seus trabalhos, suas casas, suas rotinas, suas vidas, depois de umas boas férias, e nos deixam. O pior é se acostumar a ficar enquanto todos passam. Eles vão e a gente fica com todo bagunçado, como si passasse um furacão e desse volta a tudo, nos deixam diferentes, as vezes sem folego (e até sem dinheiro hehehe), e com saudades, muitas saudades. Mas pouco a pouco temos que arrumar tudo de novo, recuperar a energia, voltar para os estudos, dormir direito, guardar dinheiro e organizar tudo para receber uns novos hospedes, que mexam nossa casa de novo. 
 
Pois é, assim é “l'auberge brésilienne, sossegado e calmo até que chega um ou uns hóspedes furacão que dão volta a tudo por uns quantos dias, mudam nossa casa, nossa rutina, nossas comidas, nossas línguas, nossos ânimos e depois vão embora deixando-nos outras. Fazer o que né? Respirar profundamente, sorrir e começar a arrumar tudo com paciência. No final C'est la vie!



Comentários

  1. Eu diria que alguns de nossos hóspedes acabam levando um pedaço da nossa alma, mas não sei se isso não seria um pouco dramático! Mas o nosso auberge brésilienne é tri legal/ multitudo!

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