Mexida


As vezes os dias passam um após do outro e parece que tudo vai e vem sem movimentar muito a vida da gente. Passa o tempo e parece que estivéssemos no automático, sem estar bem ali, e os dias se confundem uns com os outros. Mas têm outros em que tudo mexe com a gente, o mundo treme, e tudo fica diferente, como se passasse um furacão feroz que bagunçasse a paisagem da vida. As vezes esses dias vêm um após do outro e o mundo gira e gira e a gente fica meio doida. Pois é, assim são as coisas e não tem muito que se fazer, só viver mesmo.

Esses dias em que tudo se mexe, são bem legais pois, marcam um antes e um depois e fazem com que a gente tenha que arrumar tudo de novo, mas já nada fica igual. É como quando você rescreve um texto que foi apagado sem querer, e ainda que a ideia seja a mesma, de alguma maneira, o texto é outro.

Não há regras sobre o que mexe com as pessoas, o que movimenta a alguns, detêm os outros. Pois cada pessoa vibra numa longitude de onda diferente. Mas o certo é que a vida é contada não pelos dias em que tudo passa sem sentido, mas especialmente por esses dias em que tudo mexe com a gente né?

Nessa aula da vida em que eu costumo estar inscrita, acho que estou descobrindo algumas das coisas que realmente mexem comigo. E claro têm coisas gigantes e pequenininhas. Mas como não sou, nem quero ser uma grande filósofa, vou falar agora só de aquelas pequenas coisas que mexem comigo, dessas que parecem minúsculas para um outro olhar.

Os dias de céu azul em que parece que alguém apagou com borracha uma a uma todas as nuvens, sempre mexem comigo. Mexe comigo o cheiro do mar, do café, da canela quente, da hortelã e da grama recém cortada. A lua cheia aparecendo tênue no céu ainda de dia,  uma noite cheia de estrelas, o som assombroso do pequeno passarinho que protesta porque eu passo muito perto do seus filhotes, a árvore florescente que passou o ano todo sem uma folha e agora esta cheia de cores, a formiga minúscula que carrega quase a toda a árvore na suas costas e o macaco que me olha direto aos olhos, definitivamente mexe comigo.

Mexe comigo o som da gaita de boca, da cuíca, da marimba e de um violão solitário. Mexe comigo o sorriso contagiante das crianças e o brilho azulado de uma piscina iluminada. Mexe comigo o sabor de uma fruta nova, do sal do suor do meu corpo cansado, do mel misturado com o pão quente, e do vinho envelhecido nos lábios alheios. Mexe comigo a pergunta certa, a palavra rimada, o carinho sutil e aquele guri que me pisca o olho e sorri de longe. Mexe comigo um bom abraço, um longo cheiro no pescoço, um beijinho de esquimó e o sorriso espontâneo que se entromete num beijo apaixonado.

Mexe comigo o sonho que parece realidade e a realidade que parece sonho. A música que conta uma história e a história que se canta como música. O livro e o filme que me fazem esquecer que existo, e o esquecimento das coisas importantes sobre as que poderia escrever livros ou fazer bons filmes.  Mexe comigo o samba, Sammuel Beckett, Manuel Puig, Albert Camus, Silvio Rodríguez, Clarice Lispector, Milton Hatoum, Peter Tosh, Ryam Bingham, Truman Capote, Osvaldo Soriano, Cazuza, Souad Massi, Miram Makeba, um bom xote e qualquer paçoca.

Mas, sempre mexe comigo e muito, os dias em que eu me pergunto, uma e outra vez o que é o que mexe comigo. Esses dias, sem dúvida me lembram que estou viva e que a vida é bela, cheia de incertezas e de furacões que me fazem refazer e reorganizar o que eu achava que estava organizado e pronto. Esses dias mexem realmente comigo pois me fazem viver, repensar e começar de novo.


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